quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

A carne, porém, inspirou-lhe algo: sexo. Mastigou-a e pensou em Maria Rita. Era gostosa, muito gostosa.

O   PRATO   FEITO*
                                              por Armindo Torres
Ali estava o prato, fumegante, bem à sua frente: arroz, feijão, bife e jiló.

Lá dentro, o estômago reclamava. Estômago de chapa, tão grande quanto a sua ignorância de analfabeto. As paredes flexionavam-se num movimento espasmódico de mar agitado. Os sucos gástricos marolavam-se  num redemoinho de angústia e fome. Esperavam o alimeno para o envolverem e o abraçarem, triturando-o num rito de paixão sádica. Extrairiam dele toda a essência calorífica, distribuindo-a, depois, a todas as partes do corpo.

Corpo quase perfeito. Se-lo-ia, se o perfeito existisse. Uma pirâmide de músculos em membros avantajados.Maravilhosas contrações faziam-se notar ao menor trejeito. A pele que o cobria era parda e, quando exposta ao sol, banhada de suor, brilhava intensamente. Corpo poderoso, matéria destrutível, que dava ao seu dono pretensões imortais. O conjunto de músculos movimentava-se numa dança frenética, quando o senhor daquela plástica descarregava um caminhão. O corpo era a imortalidade daquela alma curta.

Lançou-se ao prato com avidez. As mandíbulas rebolavam sensualmente, estuprando os alimentos. Nem o arroz, nem o feijão, trouxeram-lhe sensibilidade.

Tampouco, o jiló despertou-lhe poesia. A carne, porém, inspirou-lhe algo: sexo. Isto ele entendia demais.  Mastigou-a e pensou em Maria Rita. Era gostosa, muito gostosa. A carne ou Maria Rita? As duas , concluiu satisfeito. A nega confundia-se com a comida. O arroz parecia-se com a voz dela; macia, excitante. O feijão lembrava-lhe os olhos: negros, temperados de luxúria. O jiló...ah, o jiló!... Às vezes, a nega irritava-se . O jiló era a irritação de Maria Rita: forte, mas passageira;  amarga, mas com sabor especial. Talvez a nega ficasse até mais linda quando se irritava, o chapa não sabia. E a carne? A carne era a amante inteira: suculenta, deliciosa!

O barulho de um caminhão que encostava desconcentrou-o. Era hora do pesado. Olhou para o prato. Ainda havia nele um pedaço de Maria Rita. Comeu-o com satisfação sexual. Depois, levantou-se e foi balançando os músculos poderosos até que a bala do marido enganado acabasse com aquela imortalidade mortal.

(do livro de contos ATRÁS DO COPO DE CERVEJA, de Armindo Torres, p 9/10 , Esdeva Empresa Gráfica Ltda, Juiz de Fora, MG, 1978 )

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